{trecho do romance}

2017;

hoje, ela vai sair sozinha.

sim, sozinha.

ela demorou pouco mais de um mês convencendo-se de que já era hora de se permitir o acaso de encontrar um novo alguém. já faz anos que o amor morreu, pela última vez, em seu peito e, desde então, tudo que ela sabe sobre ele são:

informações cada vez mais rarefeitas, descuidados encontros na biblioteca, esbarrões em esporádicas rodas literárias, tweets superficialmente duvidosos e o seu sucesso literário astronômico que invadia a sua casa desavisadamente pelo jornal, pela propaganda do youtube, pelas novas e distraídas moradoras da casa (que não chegaram a conhecê-lo).

já estava na hora, depois de tantos anos, de se permitir pousar em outros olhos os seus profundos olhos caramelos.

por isso, hoje, ela vai de batom vermelho.

sozinha.

não convocou suas amigas, não avisou as meninas da casa. ela não quer: cobranças, expectativas e conselhos. ela só quer sair sozinha. sentir o pulsar das luzes dos edifícios, sentir o pulsar das pessoas da cidade, sentir o pulsar do sangue do seu corpo. decidir onde parar e o que beber e o que comer e quanto tempo ficar.

caminhar com o vento no rosto à côté du seine.

achar graça dos turistas com seus sorvetes amorino arrumados em forma de flor e dos crepes de chocolate. possivelmente tomar coragem de realizar um dos muitos sonhos relatados no livro das solidões – de fato, sozinha, sem medo de se perceber completamente apaixonada pela sua própria companhia.

ela só quer (re)experimentar paris nesta quinta-feira ordinária (tão normal quanto às anteriores e possivelmente igual às próximas). para esta noite, decide apostar no contraste entre o tom dourado de sua pele e o batom vermelho. ela, que sempre achou absurdo os nomes caricatos de produtos cosméticos, escolhe logo à revelia o queridinho do showbiz:

lady danger.

 se fica bem na rihanna, deve ficar bem em mim.

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